Prólogo — Sky descobriu que fogos de artifício podiam brilhar em rosa neon
O som chegou antes da visão.
Sky notou mais rápido do que gostaria aquele trovão abafado, grave, que parecia vir do chão, das paredes e do próprio peito. A fila à sua frente se arrastava em direção à porta de um galpão antigo, escondido entre prédios abandonados no centro da cidade.
Havia gente produzida demais para um show alternativo. Cabelos impecáveis, maquiagens intactas, roupas escolhidas com precisão para parecerem descuidadas. O brilho e o paetê eram tantos que, por alguns segundos, ela se sentiu desorientada.
Só estava ali porque precisava.
Lembrou-se de que, se não fosse pela pauta, pelas contas vencendo e pela ração cara de seu shih-tzu, teria ficado em casa, em companhia do sofá e de algum episódio repetido do reality mais idiota do catálogo.
A mãe costumava dizer que ela havia desenvolvido uma personalidade difícil.
Talvez estivesse certa.
Vê-la fora de casa era realmente raro.
Jovens deveriam sair, se divertir, ir a encontros, mas Sky sempre se perguntava se valia mesmo a pena desperdiçar tempo com isso. Tentara conhecer pessoas novas, se aventurar romanticamente, frequentar lugares que prometiam algum tipo de entretenimento, mas nunca conseguia se encaixar.
A garganta apertou com um peso familiar. Havia algo de errado com ela?
Balançou a cabeça, tentando afastar o pensamento.
Precisava de foco.
O lugar era escuro e sufocante. Luzes fluorescentes piscavam de forma irregular, misturadas às de emergência, criando um clima entre o fim do mundo e uma rave que nunca chegou a acontecer.
O ar era denso, saturado pelo cheiro de fumaça, cerveja, perfume doce e o metal quente de fios expostos.
Sky respirou fundo enquanto apertava o crachá de identificação do jornal como se ele tivesse algum poder de protegê-la dali.
Mal sabia o nome da banda. Pegara o ingresso de última hora, substituindo uma colega que precisou viajar às pressas depois que a mãe adoeceu. O pedido veio no impulso e ela aceitou.
O jornal onde trabalhava já não era o que um dia sonhara. Escolhera o jornalismo aos doze anos, acreditando na ideia romântica de mudar o mundo com palavras. Agora, passava os dias revisando notas sobre celebridades bêbadas, posts polêmicos e separações de influenciadores. Nada de escândalos políticos ou matérias investigativas.
Por isso, quando sugeriram que alguém cobrisse o show da Vesper Saints, uma banda misteriosa que ninguém conseguia entrevistar, ela viu uma brecha. Uma chance de ouro para o site viralizar.
Mas o que realmente queria era mais do que um furo. Queria escrever como antes, como quando escrever era urgente e importava.
Tentou traduzir essa intenção na roupa: jeans preto, blusa branca com brilhos discretos, tênis confortável. Prendeu o cabelo ruivo em um rabo de cavalo apertado, mais para evitar que a tinta escorresse e manchasse a blusa do que por estilo.
Por dentro, o galpão era uma mistura de luz e penumbra. Feixes de neon cortavam o espaço em ângulos instáveis, iluminando rostos suados, braços erguidos e corpos colados em um mesmo ritmo. O ar estava impregnado de suor, álcool, fumaça e algo doce, quase alucinógeno. Tinha cheiro de euforia.
De algo prestes a sair do controle.
No canto esquerdo, o bar improvisado exibia garrafas de uísque vagabundo e gin de rótulos desbotados, iluminados por uma luz negra que os fazia parecer mais atraentes do que realmente eram. Coquetéis coloridos passavam de mão em mão. Copos tilintavam, gelos se quebravam, e em algum lugar alguém gargalhava alto.
O chão grudava sob os tênis; cada passo arrancava um som pegajoso. A música ainda não havia começado, mas já existia uma batida ali.
Sky apertou o crachá com mais força e repetiu mentalmente o aviso do editor: me traga um furo ou essa vaga não é mais sua.
Mas era difícil manter distância quando tudo vibrava ao redor. A luz, o cheiro, a antecipação. O lugar parecia febril.
E então, as luzes se apagaram.
Silêncio.
Um instante suspenso.
A primeira nota soou como um corte.
Depois outra.
E mais outra.
A guitarra começou cortante e a bateria entrou seca, com batidas firmes e repetidas.
O baixo sustentava tudo com uma vibração constante, preenchendo o espaço. O som era alto, limpo, preciso.
O estilo da banda era rock, mas a melodia grudava na cabeça. Tinha algo de sensual na cadência, nas pausas curtas entre as notas e na forma como os vocais secundários se encaixavam nos instrumentos.
Sky se perguntou se não havia um vocalista. Até o momento, o espaço no meio do palco permanecia vazio.
De restante, ela se distraiu com as luzes que acompanhavam cada virada de som com sincronia perfeita. Feixes brancos, vermelhos e violetas cruzavam o palco, pulsando no mesmo tempo da batida. Quando a guitarra subia, o brilho aumentava; quando a bateria silenciava, o galpão mergulhava na penumbra.
O público reagia em bloco. As pessoas erguiam os braços, gritavam o nome da banda, dançavam próximas umas das outras.
A estrutura do galpão tremia em alguns pontos e o eco das caixas de som se espalhava pelas paredes descascadas.
A presença de palco dos músicos era forte.
Era o tipo de performance que chamava atenção não pelo exagero, mas pelo controle.
E então ele apareceu.
O vocalista surgiu no centro do palco envolto por vapor e luz rosa. O rosto estava parcialmente coberto por uma máscara preta metálica que refletia as luzes do show.
O coração de Sky disparou.
O que era aquele sentimento?
Ela começou a sentir o corpo suar. Fixou os olhos no vocalista.
Como se fosse possível desviar o olhar.
Ele não falou nada. Apenas respirava contra o microfone. Sky pensou que até a maneira como sua respiração saía era bonita.
Sua estatura surgia alta, com ombros largos e braços fortes. Seus cabelos eram pretos.
Sky forçou a visão na tentativa de enxergar algo além, mas a máscara que cobria o rosto dele impedia que ela distinguisse os traços.
A peça era preta, feita de metal liso, com acabamento fosco nas laterais e brilho espelhado no centro. Cobria a metade superior do rosto, do nariz até a testa, deixando apenas a boca e o maxilar à mostra. As bordas eram irregulares, como se tivessem sido cortadas à mão. Na luz do palco, refletia os feixes coloridos, ocultando os olhos por completo.
Antes do show, ela havia tentado pesquisar algo sobre a banda. No Instagram, encontrou apenas quatro fotos: uma cortina vermelha, uma mão ensanguentada, um céu noturno com a lua partida e uma máscara quebrada.
Nada de rostos. Apenas imagens soltas.
Um contraste total com o próprio perfil dela, cheio de fotos triviais do café da manhã e do cachorro de orelhas enfeitadas no Natal.
A voz dele saiu grave e rouca. Falava pouco, cantava com força. A letra era densa, emocional, difícil de entender, mas impossível de ignorar.
Sky sentiu um arrepio subir por sua espinha.
Ela devia estar anotando, registrando o que via, mas não conseguia. Sentia o corpo tenso, o coração acelerado. As máscaras do palco refletiam a luz em flashes.
A banda tocava sem pausas. A plateia cantava todas as letras, com energia total.
Trinta minutos passaram como cinco.
O vocalista se movia pouco, mas quando o fazia, atraía todos os olhares para ele.
Inclinava a cabeça, pressionava o microfone contra os lábios, observava a multidão.
Magnético.
Então olhou para Sky.
Por um segundo, o olhar cruzou o dela. O tempo que voava pareceu parar. O corpo dela reagiu. A respiração falhou, o estômago apertou, as mãos tremeram.
Não sabia se era medo ou algo diferente.
O som aumentou. As luzes giraram. O calor tomou conta do espaço. A blusa dela grudava na pele, o cabelo molhado colava na nuca.
Não era possível que ele estivesse olhando diretamente para ela.
Era impossível e parecia irracional.
Sky percebeu os lábios dele se movendo, formando claramente as letras S K Y.
Ela piscou algumas vezes, incrédula.
Não podia ser real.
Precisava sair. Precisava respirar.
Saiu empurrando pessoas, tropeçando, ouvindo seu nome misturado aos gritos.
Sky. Sky.
Do lado de fora, o ar da madrugada estava frio e úmido. Tinha cheiro de cigarro, metal e chuva. O beco atrás do galpão era estreito e escuro. O chão refletia as luzes de neon das fachadas. Um técnico passou carregando cabos, o cigarro aceso iluminando parte do rosto.
A porta aberta deixava sair o cheiro do palco: fumaça, suor e incenso.
Sky olhou para o letreiro acima da entrada. VESPER SAINTS.
Uma das letras não acendia.
VESPER SAIN.
Tirou o celular do bolso. As mãos tremiam. Nenhum vídeo, nenhuma foto. Nenhuma prova de que tudo tinha acontecido.
Ficou parada, ainda sentindo o corpo vibrar.
Respirou fundo e fechou os olhos, tentando se agarrar novamente ao mundo.
Quando abriu os olhos, entendeu que aquilo não era só uma pauta.
Precisava descobrir o que havia por trás daquela banda e daquele vocalista.
Por curiosidade.
Por impulso.
Ou por algo que ainda não sabia nomear.
☆★
Parabéns, Pri!!
Espero que você tenha gostado do prólogo do seu presente.
O capítulo 01 sai em breve, mas aqui vai um pedacinho, um pequeno spoiler kk
Te amo!!!
"Sky estava sentada na cama, vestindo a sua camisola de cetim. O quarto estava escuro, iluminado apenas pela luz do monitor. O cabelo ruivo caía em cascata sobre os ombros. A cortina da janela se movia com o vento da madrugada.
Não conseguia dormir desde que chegara em casa. Digitava rápido, buscando qualquer informação sobre o vocalista. Pesquisava fóruns, redes sociais, blogs de música alternativa. A cada link aberto, a frustração crescia. Nada. Nenhuma pista concreta, nenhuma foto clara.
Só sabia uma coisa: o nome dele era Ashen.
Num post antigo, quase apagado, encontrou uma foto em preto e branco, granulada e desfocada. Não dava para ver o rosto inteiro, mas os olhos dele brilhavam no escuro, grandes e fixos, encarando a tela.
Sky engoliu em seco. Precisava descobrir quem ele realmente era.
Precisava saber o que havia por trás daquela máscara.
Por trás daquele olhar."

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